Livros, remédio da alma?
6 de Fevereiro de 2018 às 18:23
Originalmente publicado no Blog da Brinque

"A oferta mais generosa que podemos fazer às crianças são histórias, imagens e palavras que ampliem repertório para compreender e organizar o mundo, num exercício de autoconhecimento e de encontro com o outro"
Não é necessária uma pesquisa muito complexa para descobrir que há livros, bons e ruins, sobre tudo e, por estranho que pareça, sob medida até mesmo para o que desconhecemos. Mas me pergunto se, por melhores que sejam, aplicados como remédio “funcionam” como esperado por quem os busca. Não tenho dúvidas de que narrativas – livros, filmes, canções – que tratem de algo que nos toca nos ajudam, muitas vezes, a compreender um pouquinho o que vivemos em momentos específicos. Nessas situações, entendemos que nosso sofrimento e nosso medo fazem parte da vida e são, em grande medida, o que nos liga às outras pessoas, que sofrem e temem como nós; ao saber do outro, sabemos um pouco mais de nós mesmos e isso nos permite voltar ao outro com menos fissuras. O importante é que, nesses casos, os livros se tornem uma abertura para a criança pensar, falar (se quiser) e elaborar a dor, a perda, e, assim, fazer a experiência da tristeza. Apesar de parecer pequena a oferta para quem, inconscientemente, busca uma solução imediata em um momento difícil, esse já é um grande convite. São muitos os caminhos que trilhamos na tentativa de aplacar a dor, especialmente a das crianças. Para elas, que nascem em um mundo velho e desigual e carregam o fardo de construir um futuro melhor, tentamos, amorosa e inutilmente, construir atalhos. Mas se pensamos fora da lógica produtiva, aquela que nos obriga a ganhar tempo em tudo para competir e a estar sempre bem, talvez não seja bom encurtar as distâncias. E onde digo “talvez”, certamente por delicadeza de linguagem, cabe uma daquelas poucas certezas que colocamos em marcha ao longo da vida: precisamos viver nossas experiências no tempo que elas exigem."Os livros nos oferecem tempo dilatado, em que vivemos cem anos em algumas horas ou um único dia em quinhentas páginas, subvertendo o tempo do tempo"
Os livros nos oferecem e convidam a esse tempo dilatado, em que vivemos cem anos em algumas horas ou um único dia em quinhentas páginas, subvertendo o tempo do tempo. Para além de livros sobre morte quando alguém querido morre ou sobre separação quando o casamento dos pais chega ao fim, a oferta mais generosa que podemos fazer às crianças e a nós mesmos são histórias, imagens e palavras que ampliem seu repertório para compreender e organizar o mundo, num exercício de autoconhecimento e de encontro com o outro. (Em tempo: sobre esse tema, vale a leitura do belo ensaio Lendo na casa da guerra, de Marina Colasanti). --- Fabíola Farias é graduada em Letras, mestre e doutoranda em Ciência da Informação pela UFMG. É leitora-votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e coordena a rede de bibliotecas públicas da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.Este texto foi publicado originalmente no Blog da Brinque e estava hospedado no site da Brinque-Book. A editora Brinque-Book foi integrada ao Grupo Companhia das Letras em outubro de 2020 e a migração deste conteúdo para dentro do Blog da Letrinhas tem como objetivo somar conhecimentos, unificar os blogs e fortalecer a produção de conteúdo sobre literatura infantil, leitura e formação de leitores.