Fernando Vilela: palavras e imagens e técnicas em diálogo narrativo
25 de Agosto de 2020 às 11:18
Originalmente publicado no Blog da Brinque

"AS PALAVRAS TAMBÉM VALEM MAIS DO QUE MIL IMAGENS_"
BB: O que é ilustrar, hoje? Fernando: Essa pergunta tem respostas infinitas. Dentre tantas coisas, ilustrar é buscar novos caminhos de expressão e dialogar com os outros e com o mundo em que vivemos. É traçar caminhos e se reinventar através da linguagem narrativa. BB: Você pode comentar um pouco sobre seus processos de criação e inspiração? O que inspira você? Como cria? Como essas inspirações ganham corpo? O que tem mexido com você – em termos de inspiração, arte, técnica, processos, materiais no momento no trabalho de você?"AS TÉCNICAS QUE UTILIZO PARA CADA UMA DELAS SURGE A PARTIR DAS HISTÓRIAS_"
Fernando: Ideias vem de diferentes lugares, às vezes de uma viagem… O livro A toalha vermelha veio de uma viagem em família: a toalha do meu filho, Leo, caiu no mar e aí vem a ideia inteirinha da narrativa, que acaba se tornando o livro da viagem da toalha pelo mundo. O Abrapracabra nasce de um delírio de magia, como se a gente pudesse viajar pelo mundo entrando por portas mágicas. As técnicas que utilizo para cada uma delas surge a partir das histórias. Quando ilustrei A toalha vermelha, resolvi trabalhar com colagem para pensar sobreposição, para criar espessura na imagem no fundo do mar. No Lampião e Lancelote, usei o carimbo de borracha, que dialoga com a xilogravura; também usei gravura em madeira, que é uma técnica que dialoga com cordel e o carimbo. O trabalho gráfico é algo que faz parte da minha linguagem expressiva, a gente pode observar isso em praticamente todas as publicações. No livro Eu vi! [ou no] O disfarce dos animais, [ambos da coleção Surpresa, assinada por Vilela, que tem ainda um terceiro título, Onde eles estão?], o formato dele, a adivinha, a brincadeira [isso tudo] já nasce pensando num livro como objeto, cada livro tem sua linguagem.
"O LIVRO ILUSTRADO TEM MUITO A VER COM O CINEMA: SE A GENTE FOR PENSAR A SEQUÊNCIA DE IMAGEM, O ENQUADRAMENTO, A NARRATIVA_"
BB: O livro ilustrado vem ganhando cada vez mais apaixonados e mais prestígio também. É, em geral, um livro infantojuvenil, mas que não agrada apenas aos pequenos. Queria pedir que você comentasse essa relação palavra-imagem, a profundidade de camadas e belezas e como uma conversa entre as duas linguagens enriquece a experiência estética do leitor de todas as idades. Fernando: Acredito que o livro ilustrado seja uma arte que não tem idade. A gente associa muito ele ao público infantojuvenil, mas acredito que muitos autores e ilustradores conversam com a criança, com o jovem, mas também com todas as idades. Eu tenho um comprometimento de expressão no livro, ele nasce de uma experiência minha, de uma experiência estética, de questões que me mobilizam, que me afetam. Quando crio um livro, não penso na idade. Tanto é que os meus livros ilustrados — uma grande parte — que eu ilustro também com grande autores, como a Stela Barbieri, uma grande parceira minha, eles são direcionados a todas as idades. E é interessante que eles são vendidos muito para adultos que compram os livros pra eles. O livro tem camadas, camadas de conteúdo, camadas de interpretação. E eu acredito que muitos autores, ilustradores, estão comprometidos em pensar e em fazer o livro como uma obra de arte, assim como uma pintura num museu, que não tem idade, assim como uma fotografia, um objeto narrativo e estético para todas as idades. Os bons livros são aqueles que duram…"UM BOM PONTO DE PARTIDA É REPERTÓRIO_"
BB: Falando nisso, uma imagem vale mais que mil palavras? Fernando: Eu diria que dos dois lados: as imagens, elas têm uma linguagem própria, elas jamais vão corresponder às palavras. Uma pintura, uma fotografia, um desenho é uma imagem que pode ter um discurso inteiro. E as palavras, por sua vez, também, né? A gente pega um poema e jamais vai ter uma imagem que substitua um poema do Carlos Drummond de Andrade ou do Manuel Bandeira. As palavras também valem mais do que mil imagens. Eu te responderia brincando com essa expressão: a palavra é narcísica, e a imagem é eco. Narciso sempre olha para sua imagem e morre afogado nela. Eco sempre fala sua palavra, sempre chama Narciso, só que nunca consegue falar com ele, porque a palavra sempre volta para ela. As linguagens da palavra e da imagem tem sua autonomia. Quando elas se encontram no livro ilustrado, aí existe um vazio, uma conexão misteriosa, que é o que faz o livro ilustrado ser esse objeto fantástico, onde as linguagens se encontram de diferentes maneiras, em diferentes obras. BB: Para quem está começando agorinha a mergulhar nesse universo do livro-imagem e da ilustração, o que você recomenda? O que pode ser um bom mapa, ponto de partida, ponto de chegada, guia, amigo de viagem, meio de libertação etc? Fernando: Um bom ponto de partida é repertório. Tem que ir na livraria, investigar os livros, os bons autores, ver boas editoras brasileiras e estrangeiras. Sugiro que quem está começando que faça cursos também. Tem cursos do Odilon Moraes, do Renato Moriconi, eu dou cursos no meu ateliê. Eu tenho um ateliê que se chama Binah Espaço de Arte, que é uma escola de arte, dirigida pela Stela Barbieri [artista, educadora e formadora de professores], que é minha parceira, e aqui tem um grande centro de encontros e debates em torno do livro ilustrado, das artes visuais. Convido vocês a entrarem no site e têm cursos voltados para ilustração, para criação de narrativas, para iniciantes, para profissionais.///
E você? Conte sua experiência com artes visuais e a palavra em sala de aula!Este texto foi publicado originalmente no Blog da Brinque e estava hospedado no site da Brinque-Book. A editora Brinque-Book foi integrada ao Grupo Companhia das Letras em outubro de 2020 e a migração deste conteúdo para dentro do Blog da Letrinhas tem como objetivo somar conhecimentos, unificar os blogs e fortalecer a produção de conteúdo sobre literatura infantil, leitura e formação de leitores.