Uma turma de jovens leitores

10/05/2018

 

Crianças que só querem saber de livros – assim foram descritos os alunos de três anos da Turma da Touca, entidade não governamental de incentivo à leitura na infância. Comentários como esses não são estranhos às organizadoras da ONG, que surgiu em 1974 com a vinda de um grupo de professores ao bairro do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, para levar recreação e aulas de reforço escolar às crianças e aos jovens da região.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Décadas depois, a entidade administra oito espaços de cultura e educação, sendo quatro creches. Atende cerca de 300 crianças entre zero e três anos em período integral. Sob a orientação da pós-doutora em educação Gisela Wajskop, uma marca forte do programa hoje é a emancipação das educadoras que lá trabalham, para que se tornem pesquisadoras da própria prática. "Vou passando estratégias de metodologia científica e eles vão se apropriando disso, vão se empoderando. As professoras ficam empoderadas, fazem concurso e vão embora", conta a educadora. Elas aprendem estratégias de metodologia científica e passam a usar os celulares para filmar e observar as ações das crianças. Trazem os vídeos para as reuniões mensais que têm com a pesquisadora, quando são discutidos conceitos ligados ao brincar.

Dessa prática de investigação surgiram algumas ideias, como o projeto de leitura em casa, já em prática desde 1996. A cada sexta-feira, as crianças escolhem nas livreiras (suportes para livros acessíveis aos pequenos que já marca a Turma da Touca) as obras que querem levar para casa, onde poderão ler com seus familiares. Para isso, foi feita uma curadoria dos livros a serem utilizados, para que as 27 obras disponíveis por turma trouxesse diversidade.

A prática de ler em casa gerou diversas transformações dentro das próprias famílias, conta Gisela. Apesar de algumas mudanças serem decorrentes do passar do tempo – desde 1996, muito mudou no bairro do Campo Limpo –, formou-se uma comunidade leitora em torno da creche – o que antes não existia. O modelo de família mudou e o nível de instrução dos pais também. Questões como o analfabetismo e a dificuldade de leitura são cada vez menos impedimento para que as famílias participem da educação dos filhos, apesar de ainda haver muito o que avançar, explica a pesquisadora.

O processo de levar os livros para a leitura em casa tinha como um de seus objetivos estimular o protagonismo das crianças, o que os educadores puderam observar muito bem. Entre os alunos, era comum que alguns chegassem na segunda-feira vestindo a fantasia de seu personagem preferido do livro. Mas um acontecimento curioso chamou a atenção das educadoras: um aluno chegou a pedir à professora que enviasse um bilhete a sua mãe, que não havia lido o livro com ele no fim de semana anterior. Para os envolvidos, as transformações são evidentes: crianças leitoras trazem mais questionamentos desse tipo.

Além disso, projetos como esse quebram um ciclo vicioso de negação da leitura. Alguns defendem que crianças tão pequenas não precisam aprender a ler, o que aqui é questionado até pelos diferentes tipos de leitura propostos, com a utilização também de livros-álbum, em que a leitura de imagens é preponderante. De repente, mães que acreditavam que a única opção de lazer com seus filhos eram os shopping centers começam a descobrir programações de bibliotecas e todo um universo cultural até então desconhecido. Vão "descobrindo todo um mundo na cidade", como explica Gisela.

 

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