Uma Flip possível

27/07/2017

Por Mell Brites e Antonio Castro

Em seu discurso de abertura da Flip, ontem à noite, Josélia Aguiar, a curadora da 15a edição da festa, falou sobre as motivações e dificuldades de conceber um evento cuja programação contemplasse a diversidade. Neste ano, o maior evento literário do Brasil homenageia a figura de Lima Barreto, escritor negro por vezes esquecido pelos estudos literários, e tem, pela primeira vez em sua história, mais mulheres do que homens convidados para os debates.

Nesta manhã, em frente à capela de Paraty, o escritor Julián Fuks participou do primeiro cortejo literário da Flipinha, uma nova proposta da frente infantil da festa em que adultos e crianças caminham ao lado do autor até um ponto da cidade para uma conversa informal sobre literatura, processo de escrita, prazer de ler, entre outros assuntos.

Belita Cermelli, diretora da Casa Azul e uma das responsáveis pela curadoria da Flipinha, conta que a crise enfrentada pela Flip neste ano fez com que o festival para as crianças se transformasse consideravelmente. Sem recursos para trazer autores exclusivamente para o público infantil, a solução  foi chamar os próprios convidados da Flip para participar de conversas com as crianças — e essa era também uma maneira de trazer para perto dos pequenos leitores autores que, até então, falavam apenas para os adultos.

Julián Fuks contou aos pais, professores, transeuntes curiosos e crianças que o rodeavam sobre seu último livro lançado, chamado A resistência (Companhia das Letras, 2015). Definido por ele como uma autoficção, trata de um episódio familiar muito íntimo: a adoção de seu irmão mais novo. O livro nasceu a partir de sugestão do próprio irmão de Julián, durante uma sessão de terapia familiar em que pais e filhos estavam presentes. Ele também comentou sobre a relação forte que, desde pequeno, tinha com a literatura e a escrita — e como foi difícil encontrar o equilíbrio entre a vontade de escrever e a necessidade de encontrar uma profissão que abarcasse essa paixão.

O bate-papo girou em torno do tema da adoção, da sua profissão, dos livros que já publicou — entre eles um infantil, chamado A menina de papel. Com um número de adultos que ultrapassava o de crianças, foi um começo de Flipinha diferente, mas com um público participativo que aproveitava a oportunidade de desvendar essa figura para alguns enigmática que é o escritor.

Respondendo a uma pergunta, Fuks contou, em tom de brincadeira, que o título de seu último livro surgiu devido a uma resistência de seu editor, que não apoiava sua proposta: O irmão possível. Mas, ele pôde refletir depois, A resistência acabou trazendo mais visibilidade ao viés político da narrativa, que não era propriamente a sua ideia inicial mas se provou uma abordagem profícua. A própria ambivalência da palavra lhe parece interessante: se por um lado resistir é não querer encarar, é também uma tomada de posição — quase o oposto do primeiro significado.

E o que define esta Flip e esta Flipinha senão a resistência? É resistindo que se cria e é resistindo que se torna possível falar de literatura para (e, principalmente, com) crianças — que terão a árdua tarefa de continuar a resistir num país que parece dificultar cada vez mais o acesso à cultura. Neste ano, o que estamos relatando neste diário não é uma Flipinha qualquer, mas sim uma Flipinha possível.

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