Tecnologia na escola: a que se destina?

01/05/2020

Por Januária Cristina Alves

“Prevenir é melhor do que remediar”, já diz o velho ditado. E, em meio a essa pandemia, essa afirmação nunca foi tão verdadeira. Não estávamos preparados. Não havia a previsão de que cidadãos do mundo inteiro, de repente, tivessem de ser encerrados em suas casas, tensos e amedrontados por uma ameaça tão poderosa quanto invisível. Não estávamos preparados no que diz respeito à saúde, à economia, à educação. Diante desse desafio que agora se impõe não nos resta mais nada do que parar – ainda assim, forçados pelo confinamento – e avaliar o que nos acontece, para mudarmos atitudes e comportamentos e lidarmos com essa crise da melhor maneira possível, ou seja, sem sucumbir a ela, mas respeitando-a como fonte de experiência e aprendizado.  

(Ilustração Bicho Coletivo)

 

Quem disse que está sendo fácil?

Particularmente falando, tenho acompanhado mais de perto as angústias e inquietações dos escritores, educadores e comunicadores, por força do meu trabalho e formação. Nesse sentido, posso afirmar que a educação e a comunicação já vinham passando por transformações profundas, que foram se acentuando com a entrada da internet e especialmente das mídias sociais no cotidiano dos cidadãos do mundo inteiro.

 

A internet e suas transformações profundas

A educação, representada pelas universidades, escolas e centros de estudo e pesquisa, e a mídia, na figura dos grandes conglomerados de comunicação, se viram ameaçadas como pilares indestrutíveis da confiança e do respeito de todos nós. Aos poucos, os usuários das mídias sociais tornaram-se também produtores de notícias, compartilhando narrativas que muito frequentemente reforçam suas crenças, e os alunos, apoderados (e empoderados) do Google passaram a acreditar que toda a informação e o conhecimento estão a apenas um clique de distância. Com as ilusões perdidas de que a tecnologia seria a grande salvadora e nos levaria à democratização do conhecimento, a escola e a mídia deram-se conta de que era preciso – perdão por usar uma palavra tão desgastada – se reinventar.

A pandemia, de fato, evidencia muitas questões até então relegadas a um segundo plano. O papel do Estado, do sistema público de saúde, das escolas para todos e do acesso e compartilhamento de dados em larga escala e suas consequências para a democracia, velhos temas em discussão. “Quem tem olhos de ver, que veja”, também vaticina um outro ditado. Porém, questões complexas exigem providências da mesma ordem e, no mundo acelerado em que vivemos, isso nem sempre é possível no timing que desejamos. E, assim, elas vão ficando “pra depois”. Até que o vírus apareceu e...

 

Alfabetização midiática

Penso que agora é a hora de fazermos as perguntas que nos encaminhem para além das respostas e soluções fáceis, e que possam nos conduzir ao encontro daquilo que precisamos aprender hoje. A alfabetização midiática e informacional (AMI) é um excelente exemplo de como a solução para a formação de leitores críticos das mídias está para além de desvendar-lhes os modos de produção e compartilhamento de notícias. A pergunta que se coloca nesse cenário de pandemia, em que as notícias falsas causam mais danos do que a própria doença é: quem formará sujeitos capazes de compreender como suas crenças e decisões são moldadas e direcionadas? Quem ensinará os cidadãos a ler os textos e seus contextos, a compreender para que servem – e a que/quem servem – as mídias?

 

Uso das tecnologias na educação

E, num exercício simples, podemos transpor essas mesmas questões que rondam a AMI para os sistemas educacionais, agora emparedados pela necessidade iminente do ensino a distância (EAD) e do uso das tecnologias digitais a todo custo. Cabe aqui perguntar aos educadores o que realmente é preciso ensinar - e aprender - num mundo em movimento, cheio de incertezas, como esse que se apresenta. Sabemos que pedagogias inovadoras que não tenham raízes na vida do aluno e da escola estão fadadas ao fracasso. A pergunta “para que serve aprender isso?” está longe de solicitar uma resposta apenas utilitária, mas tão somente impulsionar a busca pelo sentido maior da aprendizagem, aquela que, se não traz saídas para todos os problemas que vivemos, nos prepara para seguir buscando as respostas e nesse movimento, aprender a aprender constantemente.  

A pandemia nos mostra o que já se sabe há muito: países que historicamente investiram em educação se saem melhor em situações de crise. Vejamos o exemplo da Finlândia, que demonstrou não só diligência diante da ameaça do vírus, mas um planejamento irretocável, dispondo de um estoque de recursos que lhes permitiria sobreviver por um bom tempo enquanto o mundo caísse aqui fora. Não coincidentemente a Finlândia é a referência mundial em programas em educação midiática. As ações lá são tocadas pelo governo federal, dada a sua importância.

 

Desenvolvimento de novas habilidades

Se investir em educação é o caminho, e isso não é novidade, cabe-nos empreender ações concretas que permitam às nossas crianças e jovens “cultivarem as novas  competências globais que podem ajuda?-los a capitalizar os espac?os digitais, entender melhor o mundo em que vivem e expressar com responsabilidade sua voz on-line” (THE OECD, 2018, p. 5) (e off-line), como afirma a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em seu documento que já mira as novas habilidades que serão avaliadas no próximo PISA.

Vale descobrir quem são os novos sujeitos de aprendizagem, os agentes da mudança em curso, os intérpretes da realidade, e entender o que precisam, querem e necessitam para habitar esse planeta de forma justa e responsável. E isso não é tarefa apenas da escola, da mídia ou dos governos, é de todos nós. Não há mais o que esperar. Afinal de contas, agora é hora de remediar, e quem sabe faz a hora.

***

Januária Cristina Alves é mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira. É consultora de projetos de educação e comunicação para empresas e instituições educacionais e realiza palestras e oficinas para educadores, crianças e jovens, sobre educação literária, alfabetização midiática e storytelling. Mais no site Entre Palavras

 

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