Suzy Lee e sua obra silenciosa para mentes curiosas

24/08/2017

“Eu faço livros para mentes curiosas”, afirma a artista plástica e ilustradora de livros Suzy Lee quando perguntada sobre a faixa etária do público de suas obras. A fala desmitifica a ideia de que livros ilustrados são apenas para crianças. A coreana preza pela simplicidade nas formas, que faz com que a interpretação seja expandida, e a imaginação típica da infância, exercitada. Defende: “livros ilustrados para crianças de todas as idades”.

Essa curiosidade infantil é tema central de sua obra recém-lançada pela Companhia das Letrinhas, Onda. Sem utilizar palavras, o livro ilustrado conta a relação de uma menina com o mar, explora as formas do livro, suas bordas e margem. Aliás, é parte da Trilogia da Margem, que inclui as obras Onda, Espelho e Sombra, que buscam brincar com a linha unificante das duas páginas que compõem o universo que um livro aberto pode ser.

 

 

A investigação também está nas fronteiras difíceis entre o mundo real e o imaginado, tema central que extrapola a obra da autora. “Descobri que repito a mesma história de maneiras diferentes nos meus livros. Talvez tenha a ver com a forma com que vejo o mundo”, conta. É a aventura das crianças que sabem a diferença entre realidade e fantasia, mas não dão importância à separação; é a aventura de um leitor em seu percurso literário, no abrir e virar de páginas, no mergulho nas narrativas.

É de uma infância cercada de histórias, aliás, que vem a familiaridade com o objeto livro. Seus pais eram amantes dos livros, que viviam amontoados pela casa e pela vida de Lee. Dessa época vêm também inspirações para as suas obras: a relação com o mar era intensa e vibrante no litoral coreano. Seu primeiro contato com o mundo das artes plásticas está associado a um artista comum que a pequena Suzy conheceu. Ele dava aulas às crianças de um pequeno vilarejo. A imagem desse homem em seu imaginário é curiosa: sério, ele fumava o tempo todo e usava uma boina cabeça. Acreditava que todos os “verdadeiros artistas” fossem assim.

 

 

Essas pequenas (e ricas) impressões deram sustentação à artista plástica que se tornaria depois. Hoje, tem 14 livros publicados ao redor do mundo. Onda, em particular, está disponível em 11 países, tais como França, Alemanha, Polônia, Japão, Eslovênia e China, o que evidencia a linguagem universal do livro sem palavras, verdadeira “ferramenta de conversa” em que os leitores podem “ouvir a história na sua própria voz”.

Confira abaixo a entrevista completa com Suzy Lee, autora de Onda.

 

A pesquisadora Sophie Van der Linden diz que “para aumentar a força sugestiva de uma imagem, a captação de um momento a ser representado visualmente significa restituir-lhe seu instante mais breve, reduzir ao mínimo a duração representada”. É o que tenta fazer em seus trabalhos? Quais estratégias tenta seguir?

Às vezes, poucas palavras conseguem explicar melhor. Os traços na pintura tradicional coreana são mínimos, mas dizem muito e te fazem refletir. Às vezes, uma história mais simples tem mais espaços que fazem o leitor viajar e carrega uma mensagem mais clara. Em alguns livros meus, sim, eu tentei colocar todos os elementos realmente necessários em que consiste a história, para tornar tudo simples. Não existem suportes, ou até mesmo segundo plano, apenas a protagonista sozinha em Espelho, mas os leitores podem perceber que a menina está olhando para o espelho na página oposta e eles entendem que é o jogo do espelho.

 

Seus livros trazem o conceito de livro-objeto. Poderia falar um pouco dessa escolha? O que tem de livro e o que tem de objeto? Até que ponto passa a ser um brinquedo, álbum, ou algo distinto de um livro?

Eu gosto de um livro porque é um objeto físico. Eu leio na minha mão ou no meu colo. É tátil e me dá a sensação de que está realmente na minha frente. Tem formato quadrado, tem bordas. Pode ser aumentado se aberto, tem duas faces e uma linha que as une no meio. Se de qualquer forma ele é um livro, quero fazer um obra que seja possível porque é um livro. Se tem uma dobra entre as duas páginas opostas, eu quero fazer com que essa dobra faça parte da história – o que dá origem aos livros da Trilogia da Margem: Espelho, Onda e Sombra.

 

Uma vez, uma livraria vendeu o seu livro Sombra como “acessível o bastante até para crianças muito jovens; sofisticado o bastante para adultos”. Você disse que era isso o que buscava alcançar. Para quem você produz a sua arte? Por que diria que os seus livros-objeto fazem tanto sucesso entre as crianças?

Eu gostaria de fazer um livro com muitas camadas, para que cada leitor tenha as suas próprias histórias. Eu faço livros para mentes curiosas. Essas mentes curiosas podem ser crianças ou adultos, e isso não importa. Eu vi recentemente uma frase muito interessante: “Livros ilustrados para crianças de todas as idades”. Eu concordo totalmente.

 

Você diz que viveu a infância cercada por livros. Daí surge o interesse pelo tema, ou isso acontece posteriormente? Poderia contar como isso aconteceu e quais foram os papéis dos livros na sua infância?

Eu passei meu tempo cercada por muitos e muitos livros quando era criança. Meus pais ainda são amantes de livros. Não significa que eu lia todos esses livros, mas eu me sentia confortável com eles. Quando eu vejo livros nas estantes, eu consigo ver cada autor e artista individual sentando juntos naquela estante estreita, conversando. Quando eu abro o livro, eles estão todos preparados para abrir o mundo deles para mim. Eu realmente gosto desse sentimento e também é por isso que eu queria fazer livros.

 

Você tem uma figura de um artista da sua infância que é de um homem sério, que fumava o tempo todo e usava uma boina na cabeça. Escreveu e ilustrou um livro sobre ele. Essa figura distinta influenciou você a seguir essa carreira?

Metade da história é uma experiência verdadeira com essa figura excêntrica, e o resto da história é ficcional. Eu tentei colocar a ideia do primeiro contato com o mundo da arte a partir daquele pintor. Pensando bem, o “pintor verdadeiro” (eu o chamei assim porque ele foi o primeiro artista “real” que eu conheci) era apenas um artista comum na vida real, que ganhava a vida ensinando crianças em uma pequena aldeia. Mas eu pensei, tive um vislumbre, e aquele foi o momento precioso para uma criança que quer ser parte do mundo do artista. O ateliê dele pegou fogo (de verdade) e eu nunca mais o encontrei desde então. Mas eu mantenho tudo sobre ele na minha mente, e isso é valioso.

 

No seu livro A trilogia da margem, você diz: “Parece que os livros-imagem dizem: ‘eu vou mostrar a você. Apenas sinta’”. Quais diferenças você nota na expressividade da palavra e da imagem? Como essas diferenças enriquecem a leitura?

Eu amo livros ilustrados de todos os tipos. No meu (estranho) ponto de vista, existem três tipos de livros ilustrados: 1.) Livros ilustrados com muitas palavras. 2.) Livros ilustrados com poucas palavras. 3.) Livros ilustrados sem palavras. E eles atraem o público de formas diferentes. As histórias poderosas, a ressonância entre palavras e imagens produzem grandes livros ilustrados. Livros ilustrados sem palavras empurram a história apenas no visual. Leitores podem ouvir a história na sua própria voz, e isso é uma experiência única.

 

A Trilogia da Margem (Onda, Sombra e Espelho) é constituída de obras que trabalham a margem de centro do livro. Mas o que as une conceitualmente?

Eu acredito que esses três livros podem encorajar os leitores a ver dois mundos (o real e o imaginado) ao mesmo tempo. E os livros são sobre a curiosidade infantil e a coragem perante o novo.

 

Onda chama o olhar das pessoas, faz com que atentem a cada detalhe das páginas, buscando por pistas para preencher a história em suas mentes. Como criar a tal “experiência de leitura”? O que fazer para que o papel do leitor não seja algo passivo nesse processo?

Deixe os leitores falarem, especialmente as crianças. Crianças sempre fazem a sua melhor aposta e criam suas próprias e excelentes histórias. Tudo o que deveríamos fazer é perguntar-lhes o que pensam e ouvi-las. Parece fácil, mas não são muitos os adultos que conseguem realmente esperar e ouvir as histórias das crianças quando eles leem um livro sem palavras juntos. Na maioria das vezes, adultos impacientes não são bons leitores. Eu espero que os meus leitores desfrutem um mundo que não tem respostas corretas. O livro ilustrado é uma ferramenta de conversa.

 

Voltando a falar da sua infância, como era a sua relação com o mar na infância? Acha que o livro Onda resgata um pouco disso de alguma forma?

O litoral que eu costumava visitar quando criança na Coreia se chama “Manlipo”, o que significa “o porto de mil milhas” (é engraçado que a praia seguinte se chama “porto de cem milhas”, e sua costa é menor que a de Manlipo). Sempre amei brincar na praia. Amo cada som e cheiro do mar. Passava o dia inteiro na praia, até que estivesse realmente exausta e isso é uma memória preciosa na minha infância. Sempre quis fazer algum trabalho sobre o mar.

 

Onda aborda temas universais: não só a relação com o mar, esse jogo de perseguição e fuga, mas também as fronteiras entre o mundo real e o da imaginação. O que você pensa sobre esse limite no campo das artes?

Descobri que eu repito a mesma história em maneiras diferentes nos meus livros. Talvez tenha a ver com a forma que eu vejo o mundo. Não existe uma linha clara entre os dois na vida real. Não é óbvio, mas nós sentimos isso. As crianças também sabem que existe uma fronteira entre o real e o imaginado, mas elas não ligam; essa é a diferença e eu gosto dessa atitude, então eu adoraria expressá-la no meu livro. Todos nós fomos crianças e todos nós cruzamos as fronteiras sem preocupações. Olhamos para os diferentes mundos enquanto leitores. Estamos sempre na fronteira. E é disso que eu gostaria de falar.

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