Seu filho está mais angustiado nesta quarentena?

28/04/2020

Não está fácil manter a sanidade mental nessa quarentena. Preocupações com o próprio Covid-19, com a economia, a instabilidade financeira, entre muitas outras, ocupam sua cabeça. Você olha seu filho brincando e pensa "ah, como é bom ser criança, sem angústias ou preocupações com as contas no final do mês". Os pequenos podem até não ter calafrios a cada novo boleto que chega, mas certamente sabem que a vida não está “normal” e podem até ter seus próprios receios e interpretações de tudo o que está acontecendo.

(Crédito: Foto de Isaac Quesada on Unsplash)

Muitas vezes, eles não sabem colocar em palavras aquilo que estão sentindo ou até mesmo não entendem o motivo de estarem tão irritados. É natural que percebam ou absorvam um pouco da tensão da casa e do noticiário e se sintam entediados. Nessa hora, as crianças precisam de nós, adultos, para ajudá-los. O primeiro passo é estar atento a qualquer mudança de comportamento do seu filho. Uma birra sem motivo, não dormir direito, ficar sem apetite, o choro que aparece do nada - tudo isso pode ser sinal de que ele está angustiado e não sabe como lidar com isso.

"A angústia geralmente é um sentimento difuso que acomete o sujeito diante de uma situação ameaçadora e aparece de forma indiscriminada, difícil de definir. É muito importante que os pais acolham, tenham disponibilidade para escutar e convidar seus filhos a falar sobre o que está se passando, o que os preocupa e, assim, oportunizar a possibilidade deles se expressarem e colocarem palavra nisso que aparece difuso, para que aos poucos possam construir respostas às questões que surgirem", afirma a psicanalista Isabel Moreira Ferreira, gestora do grupo de apoio à escolarização Trapézio, que atende crianças da rede pública do ensino fundamental com problemas nas aprendizagens.

Foi o que fez a corretora de seguros Fabrícia Magalhães, mãe de Fátima, 23 anos, e Felipe, 9. Ela começou a notar mudanças no comportamento do filho mais novo cerca de três semanas após o início da quarentena. "Moramos eu, meu marido, meus filhos e também meus pais. Por isso, é comum que ele ouça conversas de adulto ou veja notícias na TV. Perguntei como ele estava, disse que estava bem, mas percebi que não queria muito papo", lembra. Alguns dias depois, na hora de dormir, Felipe pediu para conversar, disse que estava com muito medo e começou a chorar. "Ele dizia que queria a vida normal de volta. Com muito cuidado, fui abordando tudo de forma honesta. Falei que o mundo inteiro estava passando pela mesma coisa. Mas ressaltei que devemos agradecer por estarmos todos juntos e com saúde", conta. 

 

"É importante estabelecer rotina, incluir momentos para brincadeiras, aproveitar os momentos entre pais e filhos. A rotina proporciona um ambiente tranquilo e as crianças ficam menos ansiosas e agitadas." (Karla Cerávolo, psicóloga)

 

O medo de Felipe é, principalmente, o de perder alguém, já que é muito apegado aos avós. Quando entendeu isso, Fabrícia passou a ressaltar que eles tomavam todos os cuidados em casa, estavam em isolamento e que não são absolutamente todos os infectados que chegam à óbito. Para Karla Cerávolo, psicóloga especialista em maternidade e diretora da Organização De Umbiguinho a Umbigão, devemos, sim, ressaltar a importância dos cuidados, mas também se torna imprescindível preservar a saúde mental de toda a família. “Dizer 'se estamos fazendo tudo certinho, estamos cuidado da nossa família e também das pessoas lá fora. Podemos ficar em paz' ajuda!", afirma.

 

O que fazer se meu filho tiver medo?

Se a criança demonstrar angústia pela pandemia de Covid-19, o primeiro passo é refletir se você explicou diretamente e com calma sobre o que está se passando, se ele teve oportunidade de lhe perguntar o que quer saber sobre a doença. Responda de maneira simples e direta de acordo com o que é perguntado. Explique que outras doenças já causaram epidemias no mundo e que hoje temos mais recursos para enfrentar esse momento e descobrir mais rápido a cura. 

Fique atento: caso a criança comece a ter alterações significativas no sono, na alimentação ou em outro comportamento de forma acentuada e prolongada,  consulte o pediatra e, se for o caso, procure conversar com um psicanalista ou psicólogo.

Lembre-se, também, que que nossos filhos estão o tempo todo aprendendo com os nossos exemplos. "Então, é importante reconhecer, primeiramente, como nós estamos lidando com tudo isso. Expressar nossos sentimentos é extremamente importante para que as crianças também consigam fazê-lo", diz Karla. 

 

E se a angústia for por estar cansado de ficar isolado?

Para crianças maiores, as informações podem ser mais concretas. Mostrar algumas notícias, ler com os filhos sobre as ações realizadas para cuidar das pessoas mais necessitadas são bons recursos para ajudar na conscientização de tudo o que estamos vivendo. Quanto aos pequenos, quanto mais lúdica a explicação, melhor o entendimento. "Dizer que tem um bichinho lá fora e não podemos sair, fazer o experimento do dedinho no sabão, brincar de salvar o mundo, de super-heróis, tudo isso pode ajudar a acalmá-los. Para qualquer faixa etária, porém, é importante estabelecer rotina, incluir momentos para brincadeiras, aproveitar os momentos entre pais e filhos. A rotina proporciona um ambiente tranquilo e as crianças ficam menos ansiosas e agitadas, sabendo que tem hora certa para tudo", orienta a psicóloga.

Se o problema for a saudade dos familiares ou amigos, incentive o contato virtual. Faça chamadas de vídeo, mande fotos e vídeos das crianças todos os dias para os avós, estimule seu filho a brincar com os amigos virtualmente. E não estamos falando somente de jogos online: é possível jogar stop, forca, mímica e até brincar de desenhar, cada um no seu papel, na sua casa, mas "juntos".


Como os adultos podem lidar com a própria tensão? 

Primeiramente, aceitando seus limites: faça o seu melhor e possível para o momento, não queira resolver tudo ao mesmo tempo agora. Tente reservar no dia a dia momentos para relaxar, meditar, fazer exercícios, algo para si que traga bem-estar – mas, se não der tempo, também não se culpe por isso. "Não tente se motivar pelo que você está vendo nas redes sociais das pessoas. Está tudo bem se você não está lendo vários livros, fazendo cursos online ou malhando mais vezes na semana. Cada pessoa está lidando como pode com tudo isso e tentando tornar os dias mais leves. Descubra o que realmente pode te fazer bem em meio a esse isolamento e não se cobre tanto", aconselha Karla.

Caso perceba que está precisando de ajuda profissional, procure um psicanalista ou psicólogo da abordagem da sua preferência para realizar atendimentos online.

Outro aspecto importante para melhorar o clima em casa é estabelecer um pacto para todos terem mais paciência uns com os outros e que, se algo não sair como planejado, não é para se desesperar, mas sim saber que fez o possível por hora. Por fim, não deixe tudo acumular em você! "É um momento também de compartilhar responsabilidades com as tarefas da casa e encontrar maneiras de organizar melhor o tempo e a rotina de todos. Explicar que cada um deve fazer a sua parte pelo bem de todos", lembra Isabel.

(Texto e reportagem de Fernanda Montano)

 

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