Política se discute, sim!

01/02/2018

 

Como “uma varinha mágica que podemos usar para transformar a nossa realidade”, a política guia o modo como vivemos e nos relacionamos. Se é assunto diário nos jornais brasileiros, como tratar desse tema tão importante com as crianças? O livro Quem manda aqui? indica um caminho. Escrita por André Rodrigues, Larissa Ribeiro, Paula Desgualdo e Pedro Markun, a obra é resultado de uma série de oficinas sobre política feitas com crianças em São Paulo.

Um dos autores, Pedro Markun conta que muita coisa foi aprendida nesses encontros. A escolha dos desenhos que iriam compor a obra, por exemplo, foi feita de várias formas. Na monarquia, uma criança escolhida arbitrariamente virou o rei ou a rainha, e fez todas as decisões sozinha. Na democracia, todos votaram, utilizando uma urna de papelão. Em grupo, viram “emergir a formação natural de partidos e candidatos populistas”. Já na anarquia, cada criança teve autonomia para selecionar os desenhos que deveriam entrar no livro e aqueles que deveriam levar para casa. “Existe um processo de auto-regulação social que faz com que a coisa não descambe totalmente para a bagunça”, comenta. Os desenhos que mais agradaram entraram no livro.

 

 

Para o autor, esse contato com a política deve se dar desde o nascimento da criança, com um repertório que vai se sofisticando ao longo do tempo. Deve-se prestar atenção às perguntas apresentadas por elas, verbalizadas ou não. “É menos fazer a criança decorar quais são os três poderes aos três anos de idade ou saber cantar o hino nacional, e mais estar atento para conversar e aprender juntos sobre as dúvidas que possam surgir.” Afinal, as crianças são seres complexos e pensantes, sempre ávidas por entender o mundos que as rodeia.

Os cuidados são os mesmos tomados quando tratados com elas temas como sexualidade, morte e desigualdade social. O importante é não deixar de falar abertamente. “A ideia de que se você não falar sobre o assunto, ele deixará de existir para a criança é completamente absurda – ainda mais na sociedade da informação em que a gente vive hoje”, lembra. “A única coisa que acontece quando você não ‘escolhe’ falar com sua filha sobre política é que ela vai absorver e apreender o que há de pior, aquela visão torpe e distorcida que ela vai ter por ouvir de canto de ouvido os embates políticos que acontecem entre os adultos na cozinha ou na mesa de jantar.”

 

 

Ele sugere que a conversa seja livre de adjetivos. “Ao invés de tentar qualificar (positiva ou negativamente) os atores políticos, tente explicar o que eles fazem (ou deveriam fazer) e como isso repercute na nossa vida cotidiana.” Afinal, partidarismos e fanatismos são problemas dos adultos. É claro que falar sobre partidos sem forçar a sua visão de mundo é sempre uma tarefa difícil, mas a dica que ele dá é de sempre deixar o caminho aberto para a reflexão e a crítica.

Na escola, não é muito diferente. Local de provocar questionamentos na vida das crianças, é sempre um bom ambiente para esse tipo de debate. A abordagem ainda pode ir além – acontecer não só na teoria, mas também na prática. Grêmios e dinâmicas de aula podem colaborar com esse tipo de aprendizado.

Para ajudar na discussão, sugere obras como A rua é livre (editora Callis), de Kurusa; Greve (editora Martins Fontes), de Catarina Sobral; e As garras do Leopardo (Companhia das Letrinhas), de Chinua Achebe. Ainda adianta que os autores de Quem manda aqui? estão reunidos na elaboração do novo livro da série, que será focado no tema das eleições. Conta que o título será, provavelmente, Eleição dos bichos.

Defensor da necessidade em tratar assuntos sérios de forma aberta, o autor critica grupos sociais como a Escola sem Partido. “É um projeto desonesto. Esconde atrás de um nome marqueteiro duas coisas perigosíssimas: a institucionalização da 'caça às bruxas', isto é, coloca pais e professores em um clima de vigilância do pensamento, e desqualifica o aluno como ser pensante.”

Lembra que, para desenvolver na criança a cidadania, deve-se trabalhar as ideias do público e do comum. Você pode começar na sua casa, lembrando que ali todos devem trabalhar e cuidar uns dos outros para um bem comum. Então, pode avançar essa ideia para a escola, com brincadeiras e processos de aprendizagem e, mais tarde, a parques, museus, pelas ruas da cidade. “Cidadania tem a ver com pertencimento, ela precisa entender que aquela cidade é também um reflexo dela”, lembra. Só assim teremos cidadãos autônomos e políticos.

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