Nas asas do pavão misterioso

26/06/2018

 

O chamado de uma fotografia foi o suficiente para que João viajasse até a Grécia. Foi em busca de Creusa, a moça da imagem que vivia presa em um palácio, impedida de sair por seu pai, o conde. Essa é a história de O romance do pavão misterioso, um clássico do cordel adaptado ao público infantil por Ronaldo Correia de Britto e Assis Lima, com ilustração de Andrés Sandoval. O pavão misterioso, publicado inicialmente pela Cosac Naify, é relançado pela Companhia das Letrinhas em junho.

 

 

A narrativa sobre o mágico pavão voador, apesar de já ter corrido muitos cantos do país, é ainda pouco estudada pela academia e pela crítica literária. "Na realidade, todos já ouviram falar [da história] e conhecem seu argumento, mas poucos, desse seleto grupo de estudiosos da literatura brasileira, o leram de verdade como uma obra fundamental de nossa formação literária", afirma Aderaldo Luciano, pesquisador da poética do Nordeste brasileiro, em um artigo publicado no Jornal GGN.

Fato é que a história se popularizou: virou música de protesto na época da ditadura na voz de Ednardo, além de ter sido interpretada por diversos outros artistas, e inspirou Saramandaia, novela da Rede Globo, em 1977. O cordel foi também tema do enredo de escola de samba – Salgueiro, vice-campeã em 2012. Com a versão para crianças e jovens, O pavão misterioso ajuda a disseminar o cordel para as gerações de hoje.

 

Não passam despercebidas as similaridades da história com o clássico Mil e uma noites, especialmente o conto Aladim e a lâmpada maravilhosa. O pavão voador usado por João para libertar a condessa é comparado ao tapete mágico de Aladim; o cientista que teria construído o pavão lembra o gênio que teria enfeitiçado o tapete; Creusa, filha do conde, é similar a Badrulbudur, filha do sultão. E as duas histórias carregam características formais em comum, como linguagem coloquial, oralidade e humor.

Mas O romance do pavão misterioso carrega uma história polêmica. Com autoria atribuída a João Melquíades Ferreira da Silva, ainda hoje alguns pesquisadores defendem que os versos originais foram escritos por João Camelo em 1923. O poeta também era excelente xilógrafo, chamado com frequência para falsificar selos e burlar a fiscalização da Fazenda Paraibana. Quando descoberto, Camelo teve que passar um tempo no Rio Grande do Norte. Foi nesse período que Melquíades teria roubado seu trabalho e atribuído seu nome à obra. Até hoje, a versão de que a história foi criada por Melquíades é a mais divulgada.

A polêmica ganha maior dimensão se pensarmos que o romance tornou-se "o clássico mais conhecido do cordel brasileiro de todos os tempos", como afirma Aderaldo Luciano, autor de Apontamentos para uma história crítica do cordel brasileiro. A obra chegou a ter 50 reedições e novas edições, com mais de 100 mil folhetos. Um verdadeiro "best seller", como explica Ronaldo Correia de Britto, um dos responsáveis pela adaptação da obra. "Quando eu era criança não havia TV, nem jogos eletrônicos nem computadores. Os cordéis custavam barato, cerca de 50 centavos de hoje. Todo mundo comprava e lia. As casas tinham verdadeiras bibliotecas de folhetos, lia-se em voz alta para as pessoas escutarem."

 

 

A obra é bastante lembrada quando se trabalha a literatura de cordel nas escolas. Para um trabalho mais efetivo em sala de aula, a dica de Ronaldo é selecionar alguns títulos famosos para ler com os alunos. Sugere, ainda, que os professores estudem as técnicas de escrita do gênero, atividade que as crianças adoram. "Garanto que toda criança que lê cordel se encanta e logo quer escrever, fazer experiências com a técnica. É muito atual, contemporâneo como o rap."

O autor conta que a literatura de cordel ainda é um modelo para os escritores. "Cada poema possui música fácil de cantar. O cordel continua vivo e agrada todo mundo." Aproveitou essa característica, inclusive, para fazer a sua adaptação. "Atualizamos a linguagem sem perder o embalo do cordel. Criamos um personagem parecido com as crianças, o Miguilim. E inventamos outros enredos."

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Confira as dicas de clássicos da literatura de cordel sugeridos por Ronaldo Correia de Britto:

1. Proezas de João Grilo, João Ferreira Lima

2. Juvenal e o Dragão, Leandro Gomes de Barros

3. A Guerra de Canudos, João Melchíades Ferreira

4. Serrador e Carneiro, João Martins de Athayde

5. Coco-Verde e Melancia, José Camelo de Melo Resende

6. Carta de um Sertanejo, Manuel Camilo dos Santos

7. A Chegada de Lampião no Inferno, José Pacheco

8. O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna, Francisco Sales de Arêda

9. A Peleja de Zé Pretinho com Manoel Riachão, José Costa Leite

10. Vida e Testamento de Cancão de Fogo, Leandro Gomes de Barros

 

 

 

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