Leitura e projetos de vida na escola

27/05/2022

Sempre que falamos em projeto de vida, é preciso considerar as diferenças. Por isso dizemos ‘as juventudes’, no plural. Temos que entender quem são os jovens com que estamos trabalhando ao pensar no que seria o projeto de vida na escola.

(Angela Kim, pedagoga)

A frase que abre este texto é da pedagoga e pesquisadora Angela Kim, que participou de conversa com o professor Paulo Cunha para a mesa “Diversidade, identidades e leitura nos itinerários formativos e nos projetos de vida: anos finais do ensino fundamental e ensino médio”, no quarto dia da Jornada Pedagógica. Especialista em biologia do desenvolvimento e formador de professores de ciência, Cunha participou da elaboração da proposta curricular de diversos Estados e integrou as equipes que formularam, na área de ciências da natureza, a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, que indica novos rumos para o ensino médio – o Novo Ensino Médio, cuja implantação começou a acontecer oficialmente em 2022 em escolas públicas e privadas do país.

Imagem da mesa de debate da Jornada Pedagógica 2022, dia 26 de maio

A pedagoga Angela Kim e o professor Paulo Cunha falaram de leitura, itinerários formativos e projeto de vida no ensino médio

 

As alterações programadas para os próximos anos devem eliminar o formato de um modelo único de ensino em favor da flexibilidade que é estruturada com a garantia de direitos de aprendizagens comuns a todos os jovens – e que são definidas na BNCC –, o desenvolvimento de um projeto de vida por meio de itinerários formativos (em que os alunos escolhem parte das disciplinas que vão estudar), e a ampliação da carga horária para a valorização da aprendizagem. Foi a partir dessa perspectiva de mudança que a conversa de Angela e Cunha abordou a questão da diversidade.

Com múltiplas referências de leitura relacionadas a temas também diversos, os dois pesquisadores apresentaram definições estruturais e trechos esclarecedores da BNCC, como o que aparece na página 463 do documento: “Considerar que há muitas juventudes implica organizar uma escola que acolha as diversidades, promovendo, de modo intencional e permanente, o respeito à pessoa humana e aos seus direitos. E mais, que garanta aos estudantes ser protagonistas de seu próprio processo de escolarização, reconhecendo-os como interlocutores legítimos sobre currículo, ensino e aprendizagem. Significa, nesse sentido, assegurar-lhes uma formação que, em sintonia com seus percursos e histórias, permita-lhes definir seu projeto de vida, tanto no que diz respeito ao estudo e ao trabalho como também no que concerne às escolhas de estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos”.

Entender a escola como um lugar que acolha a diversidade é o grande desafio da educação, que não pode ser mais pensada a partir de modelos.

(Paulo Cunha, professor e pesquisador)

“É uma questão paradigmática para os educadores. Inverter essa chave é um dos pontos que evidencia o quanto isso tem a ver com os itinerários formativos. A relação entre o que se oferta e o que se escolhe. Como podemos organizar para, de alguma forma, ofertar alternativas que atendam aos anseios por essa diversidade. Isso também tem sido bastante diverso. Há situações em que estudantes não têm tantas escolhas e outras em que o estudante pode escolher”, afirma Cunha, que atua no aprimoramento de alunos de ensino médio na rede pública com a ONG Acaia. “O que se oferta e o que se escolhe. Este é o desafio dos próximos anos”, afirmou.

 

Exemplos de itinerários formativos possíveis

“Olhar para os itinerários formativos é olhar para a possibilidade de se aproximar de algumas áreas”, afirmou Cunha. Ele e Angela, que é assessora pedagógica em instituições como o Instituto Avisa Lá, Unicef, Icep, Instituto Anisio Teixeira e Espaço Ekoa, entre outros, compartilharam, na apresentação, dois itinerários formativos possíveis, para ilustrar e exemplificar as múltiplas possibilidades de abordagem e discussões no ambiente escolar.  

Imagem da mesa no quarto dia da Jornada Pedagógica 2022

No itinerário que chamaram de “Terra, espaço e território”, destacaram, entre outras ideias e materiais, livros como A queda do céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert (Companhia das Letras), Nós - Uma antologia de literatura indígena, organizado por Mauricio Negro (Companhia das Letrinhas), além de filmes, relatórios, artigos e até perfis da rede social Instagram, que faz parte do cotidiano dos jovens. Na abertura da mesa, Angela escolheu ler trechos de Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak (Companhia das Letras), também relacionado ao  tema.

Capa do livro Nós, de Mauricio Negro

No outro exemplo de itinerário possível, intitulado “Corpo”,  os pesquisadores comentaram conteúdos relacionados aos propósitos do ensino médio, o que inclui o desenvolvimento de competências, educação integral e o protagonismo dos jovens. Citaram leituras de títulos tão diversos como A vida imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot (Companhia das Letras), Quando me descobri negra, de Bianca Santana (SESI-SP Editora), Poemas da recordaç?ão e outros movimentos, de Conceição Evaristo (Malê Editora), e Não pararei de gritar: Poemas reunidos, de Carlos de Assumpção (Companhia das Letras, 2020). Antes de iniciar sua fala, Cunha leu trechos de O Avesso da pele, de Jefferson Tenório (Companhia das Letras).

“Acolher a diversidade não é uma responsabilidade apenas do professor, mas dos gestores, das secretarias, de toda a escola”, disse Angela, que retomou o conceito de multiletramentos, citando a professora e pesquisadora Roxane Rojo, que diz haver  “dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio das quais ela se informa e se comunica.”

Falando de conteúdos de leitura, Angela relacionou a importância de ter, na escola, comportamentos e procedimentos leitores, com diferentes espaços leitores, leitura em voz alta pelo professor, roda de leitores, leitura programada, projetos de leitura, leitura livre de escola. A leitura, enfim, como atividade permanente.  “Se há possibilidade do desenvolvimento de um projeto, que projeto é esse? Que escolhas oferecer? Em que situações vamos colocar os estudantes para fazer escolhas?”, declarou Paulo, lembrando que é preciso entender a diversidade a partir de diferentes perspectivas.

Confira a íntegra com a apresentação dos especialistas Angela Klim e Paulo Cunha

 

 

Práticas de leitura no ensino médio

Dedicada à conversa e ao compartilhamento de experiências de boas práticas de leitura, a segunda mesa do quarto dia da Jornada Pedagógica abordou a leitura literária nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio a partir do depoimento de três jovens profissionais completamente apaixonados por suas respectivas áreas de atuação. Especialista em supervisão escolar e orientação educacional e supervisora de bibliotecas escolares dos colégios da Rede Marista, Patricia Saldanha contagiou a audiência ao falar da biblioteca escolar como um lugar de afeto e experiências literárias. Lembrou da importância de reconhecer jovens e adolescências diversas, com seu saberes e repertórios, com uma cultura digital ao alcance da mãos, ressaltando que eles não são iguais, mas compõem um grupo marcado pela pluralidade. “Quando estamos no espaço da biblioteca não precisamos necessariamente realizar o mesmo trabalho que o professor está desenvolvendo na sala de aula, o que reforça a biblioteca como um lugar de criatividade, de fruição”, afirmou.

Imagem da segunda mesa do quarto dia de Jornada Pedagógica, com exemplos de práticas leitoras

O escritor e mediador de leitura Adriano Salvi, cujos microcontos aparecem em vários livros didáticos, falou sua experiência como técnico da Secretaria do Estado de Educação de Santa Catarina e redator do Componente curricular eletivo: Práticas de letramento literário com ênfase em literatura local, que compõe os Cadernos do Novo Ensino Médio no Estado. Salvi abriu sua fala com a defesa de que é preciso desconstruir mitos que sugerem que os jovens não lêem, que os livros não têm vez frente à tecnologia ou de que a literatura é “mais uma disciplina para estudar para provas”.

Entusiasta da literatura, dos livros e da leitura,  Daniel Alberto,  que estuda Pedagogia na Universidade Federal de Cariri (UFCA), fez um depoimento sobre a experiência transformadora como mediador e contador de histórias e aluno do programa Círculo de Leitura do Instituto Braudel de Economia Mundial, onde atua como educador social. “Para nós, que fazemos parte do Círculo de Leitura, o livro é um tesouro”, disse, lembrando que sua presença na mesa era um bom exemplo da relevância de dar voz e protagonismo ao jovem.

 

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