Diálogos entre meninas e caboclinhas

15/02/2017

 

Helena queria descobrir se era grande ou pequena. Ana sonhava em versar sobre seu universo particular. Já Vidma queria ser bruxa num mundo em que ainda insistem que menina tem que ser princesa. Elas são três meninas (reais ou fictícias), ligadas às fabulações ou biografias de três escritoras, encenadas nos palcos por outras quatro atrizes, todas do Núcleo das Caboclinhas, companhia teatral que mergulha na literatura e na cultura popular brasileiras para levar boas narrativas para as crianças.

A menina Helena, protagonista de Bem do seu tamanho, livro de Ana Maria Machado, não entendia por que às vezes os adultos diziam que era pequena para certas coisas e às vezes grandinha para tantas outras. Vidma, a menina trança-rimas, nome de outro espetáculo do grupo, é inspirado na vida de Tatiana Belinky e no livro Um caldeirão de poemas 2. Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas vira muitas Anas na peça Cora (a Coralina), que o grupo estreou em temporada especial no Sesc Santo André, durante comemoração dos dez anos de estrada.

O universo feminino é tema do grupo, formado por Geni Cavalcante, Giuliana Cerchiari, Luciana Silveira e Aline Anfilo. “Falar sobre Cora Coralina hoje é simbólico e significativo. Num momento em que as questões do feminino e do feminismo estão latentes, em discussão, é de muita responsabilidade nossa trazer para o palco, para um público infantojuvenil, a história de uma mulher que sempre foi subjugada, mas que tomou as rédeas de sua vida e transformou sua realidade”, conta Aline.

As três personagens, meninas inspiradas na ficção ou na realidade (ou numa fronteiras entre ambas), têm um forte aspecto em comum. Refletem um tempo em que criança não tinha voz nem direitos. “Se olharmos para essas três histórias, elas convergem justamente num ponto: o da criança querendo ser ouvida, notada, respondida, atendida”, completa Aline.

Giuliana enfatiza que Cora (Aninha) enfrentou a aridez do mundo adulto na infância. “Era tratada com muita rispidez e desprezo. A menina sofreu bastante, ainda mais por não ter sido um modelo de beleza e bons modos da época. Era magrela, de cabelo liso fininho, não tinha muita agilidade, diziam que era amarela. E escrever não era coisa para mulher.”

Para Giuliana Cerchiari, são personagens transgressoras: “Helena foge de casa para resolver uma questão pessoal; Vidma não quis ser princesa e, sim, bruxa; Cora ultrapassou todo o conservadorismo da época para simplesmente viver sua vida”. É uma representação que intensifica o rompimento com uma imagem feminina padronizada – e ultrapassada.

É forte a identificação do grupo com as sagas das personagens. “Também questionamos a realidade que nos cerca, provocando maneiras de mudar o mundo em que vivemos por meio da arte, talvez esse lado seja latente em mim, artista mulher, negra e que precisa a todo momento se superar para ser compreendida e ouvida”, diz Luciana Silveira, que, sem incentivos, já batalhou muito com suas parceiras para levantar as peças.

Apesar dessa força feminina no repertório do Núcleo das Caboclinhas, a atriz Geni Cavalcante lembra que a escolha das obras que adaptam não se restringe ao universo feminino – e não por ser insuficiente. Já trabalharam com grandes autores e poetas, tão diversos quanto João Guimarães Rosa, Patativa do Assaré e Rolando Boldrin. São personagens cheios de indagações e questionamentos, tal qual as caboclinhas.

 

Anote na agenda

Peça Cora

Onde: Sesc Santo André (rua Tamarutaca, 302, Santo André)

Quando: domingos, às 12h; até 19/2

Quanto: de R$ 5 a R$ 17; crianças até 12 anos não pagam

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Fotos Michel Igielka

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