Como pode ser o currículo de leitura na educação infantil e nos anos iniciais?

21/07/2021

Diversidade, continuidade e progressão são os três eixos essenciais que precisam ser considerados no planejamento de um currículo de leitura para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. Longe de ser uma referência estática ou rígida, o currículo, ao contrário, tem na flexibilidade e na maleabilidade recursos dos mais valiosos já que, quando colocado em prática, ele pode e precisa ser continuamente avaliado e aprimorado pelo corpo docente e pelos educadores e gestores da escola.

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“É preciso sempre voltar ao currículo de leitura para que ele se mantenha vivo. Construído e revisitado, indica um percurso de leitura, não só literário, mas capaz de revelar também a trajetória da criança, do aluno, nos anos vividos na escola. Observar continuamente o que está dando certo, que tipo de impacto as leituras e os livros causam é fundamental”, diz a pedagoga Edi Fonseca, do Instituto Avisa Lá.  Edi e a mestre em Educação Érica de Faria, também formadora e gestora do Avisa Lá, discutiram sobre a concepção e o planejamento de currículos de leitura no segundo dia da Jornada Pedagógica 2021.

 

Diversidade e progressão

“Que leitor queremos formar? Como isso vai acontecer ao longo do ano? Qual valor a escola atribui à leitura?  As decisões do professor impactam a trajetória escolar do aluno, no sentido coletivo e também em percursos individuais de leitura. Se um dos objetivos do currículo é desenvolver preferências leitoras, como são consideradas as preferências nesse currículo literário? Em que espaço desse currículo asseguro o ler ‘o que eu gosto’ ou o ‘eu não gosto’? É função da escola apresentar uma diversidade que possibilite fazer escolhas, que precisam ser cuidadosas. E é essa diversidade que faz pensar em progressão na formação de leitores”, diz Erica.

Livro analisado durante a mesa de
Edi Fonseca e Érica de Faria. Leia +.

A diversidade e a continuidade, argumentam as pesquisadoras, dependem da disponibilização, nos currículos de leitura, de diferentes gêneros literários –dos contos de fadas às histórias em quadrinhos–, de autores diversos, entre mulheres, homens, brasileiros ou estrangeiros, brancos e negros, e de obras com formatos distintos, como  livros com e sem texto, livros ilustrados, coleções inteiras, clássicos.

 

Leitura como hábito

Para que um currículo efetivamente seja vivido ao longo da trajetória escolar, as práticas de leitura, segundo Erica e Edi, devem ser permanentes, transformadas em hábito. Um dia após o outro, todos os dias. A leitura pelo professor, por exemplo, pode servir de modelo.

As leituras compartilhadas, coletivas e colaborativas, quando um grupo de alunos tem em mãos o mesmo texto, estão entre as experiências mais potentes para ensinar a ler, segundo as pesquisadoras. Sessões simultâneas de leitura, que disponibilizam livros diferentes para que os alunos decidam o que querem ler, também têm uma enorme capacidade mobilizadora na escola.

Outro cuidado fundamental é garantir, na educação infantil e nos anos iniciais do fundamental, que a criança leia sozinha, aprendendo a fazer escolhas.

A leitura feita pelo professor tem que ser diária, estar na rotina, no dia a dia escolar. Não só pelo repertório, mas por todas as aprendizagens e conteúdos que podem ser trabalhados.

(Érica de Faria, pedagoga) 

Edi explica que, entre os critérios para a construção do currículo, a visibilidade, a “materialização” do que é o currículo, faz diferença. Visualizar, num quadro, por exemplo, tudo que é abarcado no percurso de leitura, todos os livros, de todas as fases atendidas, desde quando o aluno entra na escola, aos três, quatro anos, até o momento em que sai. Dar visibilidade ao que é apresentado para que a criança construa seus conhecimentos leitores.

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O trabalho com o texto e seus efeitos

Para Érica, as questões e os conteúdos literários são a cereja do bolo no currículo de leitura. Daí a importância de contemplar, também sob a perspectiva da diversidade, as muitas possibilidades de composição de personagens, enredos com diferentes conflitos e desfechos, a figura do narrador, seja ele onisciente ou um personagem, o tempo da narrativa, e as representações acerca da multiplicidade de ambientes, situações sociais, famílias, instituições sociais e relações de poder, entre tantos outros temas.

Não dá para considerar o que pensamos sobre a leitura se não ouvimos as crianças, se não observamos como elas se relacionam com o livro, que sentidos elas constroem com a leitura.

(Edi Fonseca, pedagoga)

Com delicadeza, sensibilidade e rigor, a exemplo do que fazem nas escolas em que atuam, Érica e Edi apresentaram, um a um, exemplos de livros, textos ou autores que contemplam não só as premissas dos currículos de leitura, mas alguns dos tantos aprendizados literários que podem ser compartilhados com os alunos. “Não se pode subestimar a capacidade das crianças ou pensar em livros que as infantilize, mas decidir pelos que as convidem a atribuir sentidos”, diz Érica. 

Veja no vídeo abaixo a íntegra da apresentação das duas professoras.

 

 

Práticas de leitura na escola

Inspiradoras e igualmente diversas, experiências de práticas de formação de leitores ganharam espaço na Jornada Pedagógica 2021 com a participação de educadores atuantes em diferentes regiões do Brasil. A pedagoga mineira Patrice Dias, que é professora em Belo Horizonte, criou e interpreta uma personagem, Bela, para atuar como mediadora de leitura. Patrice diz que tudo começou por causa da memória afetiva que tem de sua avó, cujo grande prazer era juntar as crianças para sessões de contação de histórias.

O bibliotecário carioca Guilherme Fani diz priorizar as questões étnico-raciais nas escolas em que atua, argumentando sobre a importância de que as crianças   construam suas narrativas.

Pesquisadora dos povos indígenas, a professora Luana Barth, do Rio Grande do Sul, falou sobre a importância de descolonizar o pensamento em favor de uma educação antirracista e do quanto é essencial que o professor seja um leitor para formar alunos leitores.

Confira a íntegra dos depoimentos no vídeo abaixo:

 

Os suportes na história da literatura infantojuvenil

A jornalista, pesquisadora e coordenadora deste Blog das Letrinhas, Aryane Cararo, coautora de Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil e Valentes: Histórias de pessoas refugiadas no Brasil, e a pedagoga Carla Mauch, fundadora da ONG Mais Diferenças, trataram de mediação e acessibilidade ao falar sobre os suportes da literatura infantojuvenil. Com um painel histórico até chegar ao livro digital, nos anos 2000, Aryane demonstrou que cada suporte demanda um tratamento específico e que, diferentemente do que se especulou no passado, um não substitui o outro.

Um livro informativo e tocante sobre pessoas de várias
partes do mundo que se refugiaram no Brasil. Leia +

Carla compartilhou ideias, projetos e trabalhos que realiza com educação e perspectivas inclusivas, em especial de acessibilidade à literatura e à leitura como um direito para as pessoas com deficiência. Comprometida com a criação de livros em múltiplos formatos acessíveis, Carla diz que é preciso inventar formas de acolhimento, para além dos modos normatizados, para que o livro atenda a todos.

Confira a íntegra da mesa no vídeo abaixo:

 

(Texto por: Sérgio Ribas)

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