Biografias afro-brasileiras para uma educação antirracista

23/07/2021

Ao revelar o processo de realização do livro Enciclopédia negra - Biografias afro-brasileiras, lançado em março de 2021, os autores Flávio dos Santos, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz deram uma aula memorável de educação antirracista no último dia da Jornada Pedagógica 2021.

No encontro mediado pelos professores Anita Lazarim e Leandro Mendes, responsáveis pelo material didático que será disponibilizado em breve na Sala do Professor, no site da Companhia das Letras, Lilia, Lauriano e Santos compartilharam com educadores de todo país os muitos caminhos possíveis para utilização da obra nas salas de aula – e também no exercício da cidadania. “Um dos objetivos do livro é descolonizar o conhecimento e a imaginação para que ele cumpra, assim, sua vocação pública”, diz Lauriano.

LEIA MAIS: Como as pessoas negras são representadas nos livros?

“Nós dialogamos com perguntas, com pautas. Esse é o trabalho do historiador e o livro é uma tentativa de alcançar os personagens, as experiências, alcançar indivíduos que fizeram a história brasileira. Nossa inquietação era dar conta dessas pessoas em determinadas paisagens, já que no século 19, o da independência do país, já tínhamos 300 anos de escravidão no Brasil”, diz Santos, que também é autor, entre outros, do livro De olho em Zumbi dos Palmares. “Mas é fundamental dizer que não é uma enciclopédia, um livro sobre escravidão. É sobre pessoas livres num mundo cercado de escravidão, assim como hoje somos todos livres e cercados pelo racismo. É sobre professores, artistas, educadores, é sobre todas essas pessoas”, disse o pesquisador.

Livro traz biografias afro-brasileiras
desde a colônia até o século 21. Leia +.

“Como construir nossas narrativas? E por que não podemos inventar e fabular imagens de pessoas que não tinham imagens? A descolonização da imaginação parte dessa premissa”, diz Lauriano. E a Pinacoteca de São Paulo, onde acontece a exposição homônima ao livro até novembro (leia mais abaixo) é, como diz Lauriano, o maior receptáculo de retratos do período colonial, daí ser o cenário perfeito para o vasto vocabulário visual que circula a partir do livro. “Narrativas imagéticas modulam nossa forma de ver a história”, afirma o artista visual.

As imagens do livro não são produtos, não respondem apenas às biografias. Elas são, em si, produção. E essa é uma perspectiva importante porque as imagens precisam ser vistas menos como ilustração e mais como documentos nada ingênuos para o jogo de autonomia do texto e da imagem.

Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga

Do período da colonização brasileira aos dias atuais, Enciclopédia negra restabelece o protagonismo negro ao rever a história do país. No total, são 416 verbetes alcançando mais de quinhentos e cinquenta personagens perfilados. Há mães lutando pela alforria da família, ativistas, revolucionários, médicos e muitas, muitas pessoas cujas feições foram apagadas pela história. Inclusive por isso, vários artistas foram convidados a criar retratos inspirados nos textos do livro.

“É importantíssimo que, na prática, não tentemos facilitar a vida dos alunos porque o que precisamos nesse momento é expandir esse conhecimento. Nós falamos das linguagens dos candomblés, dos ritos, dos mitos, dos orixás para ampliar a palavra, os conceitos, a experiência mais plural”, afirma Lilia, que também é autora, entre outros, de Lima Barreto – Triste visionário. Ela se refere ao projeto de educação e práticas antirracistas como uma “utopia boa”.

O livro é uma intervenção na história, não por inaugurar algo, mas porque concatena. É ponto de partida, não de chegada.

Jaime Lauriano, artista visual

É muito rico, por exemplo, trabalhar com novos vocábulos pensando nas especificidades dos termos, diz Lilia. Como reflexo da realidade, não cabe falar de escravos, mas de pessoas escravizadas. Do vasto repertório de exemplos e reflexões, como explicar o branqueamento, na imagem pública, de personagens ilustres como Machado de Assis ou Chiquinha Gonzaga? “Esse branqueamento é tão simbólico quanto violento, e os alunos, os estudantes precisam entender porque os negros que faziam sucesso, em qualquer área, nas artes, na educação, ‘embranqueciam’. Compreender isso significa uma reparação de memória”, diz Lilia.

Não é um livro para ser usado para falar da escravidão, mas para falar da história do Brasil, inclusive porque trata de uma pós-emancipação que nós estamos vivendo até hoje.

Flávio dos Santos, historiador

Veja no vídeo abaixo a íntegra da conversa com os autores da Enciclopédia negra.

LEIA MAIS: A oportunidade de escolher novas narrativas

 

Imagens e palavras – Ações educativas da Pinacoteca na Exposição Enciclopédia negra

Há quase duas décadas atuando no Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca de São Paulo, onde coordena programas inclusivos, a historiadora Gabriela Aydar fez o painel de encerramendo da edição 2021 da Jornada Pedagógica. Ela compartilhou processos de concepção e uso do material educativo relacionado ao museu e especificamente à exposição Enciclopédia negra, um desdobramento do livro. É um recurso que pode ser utilizado nas escolas do Brasil.

“O acervo gerado pela publicação do livro, com 103 obras, foi doado à Pinacoteca e incorporado a uma coleção pública, passando a ser alvo de pesquisa e divulgação constante”, explicou Gabriela, lembrando que exposição é só o primeiro momento de outras ações que podem gerar muitas reflexões a partir das obras.

Revisar narrativas consolidadas na história social e institucional, no que se refere a representatividade de gênero e raça, tem sido uma das principais missões da Pinacoteca. Além de mostrar os “vídeos-visitas” e vídeos com leitura de imagens, que têm sido essenciais no contexto da pandemia, Gabriela explica como os recursos audiovisuais podem ser elaborados para somar e potencializar conteúdos.

Ela destacou a importância da leitura de imagens na educação. “A leitura da imagem tem que propiciar ao educador, à educadora, um diálogo para explorar os aspectos técnicos, formais e contextuais, promovendo a compreensão dos elementos mais expressivos da imagem, que estimulam a atribuição de significados e a interpretação.”

Diferentemente da organização alfabética que acontece no livro, a mostra Enciclopédia negra está dividida em seis núcleos temáticos: Rebeldes; Personagens atlânticos; Protagonistas negras; Artes e ofícios; Projetos de liberdade; e Religiosidades e ancestralidades. 

Assista abaixo ao vídeo da historiadora sobre ações educativa  em museus e na exposição Enciclopédia negra.

(Texto por: Sérgio Ribas)

***

Leia mais:

Do que (não) falamos quando (não) falamos do racismo?

+ Como tratar da identidade negra em sala de aula?

+ 8 fatos que fizeram de Mandela o líder que foi

 

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog