Saberes de todos os cantos do mundo

28/11/2018

 

O que vocês gostariam de estudar? Essa pergunta foi feita a uma sala de quinto ano da EMEF Fontenelle, no Jaraguá, região norte de São Paulo. Os alunos responderam que gostariam de aprender sobre imigrantes, já que havia muitos alunos bolivianos na escola. Daí surgiu um projeto multidisciplinar, que resultou em um livro feito pelos próprios estudantes, uma visita à escola Dante Alighieri, ao Parque Estadual do Jaraguá e ao Museu da Imigração e um encontro com o escritor Bernardo Kucinski, autor de Imigrantes e mascates, da coleção Memória e História.

Foi no colégio Dante Alighieri que a turma de Patricia de Oliveira, professora orientadora de Informática Educativa da EMEF Fontenelle, encontrou com Kucinski. O autor, professor aposentado de jornalismo da Universidade de São Paulo, é de família polonesa e traz em seu primeiro livro dedicado ao público infantil memórias dos pais imigrantes e da infância  e adolescência nos bairros da zona norte de São Paulo, Água Fria e Tremembé, lugares que àquele tempo eram "tão pouco habitados que mais pareciam vilarejos perdidos nas lonjuras do interior”.

 

 

A educadora conta que foi um encontro especial e menciona a atenção dos alunos a cada pergunta e a cada resposta, a integração das turmas, o momento que tiveram de conversa pessoal com o escritor, quando ele autografou, um por um, os livros escritos pelos alunos após a leitura da obra. “Dias depois recebi uma mensagem do Bernardo [Kucinski] em meu e-mail. Imediatamente fui à sala do quinto para partilhar com eles a mensagem do autor. Todos queriam cópias para anexar em seus livros!”

 

 

Dois encontros memoráveis

Na tarde do dia 29 de outubro, encontrei-me no Colégio Dante Alighieri com os alunos do quinto ano do EMEF Fontenelle. Ali estavam dentro de um programa de parceria do Dante com escolas públicas. De manhã havia me encontrado com os alunos do próprio Dante. As duas escolas adotaram meu livro Imigrantes e mascates. Tanto os alunos do Dante como os da EMEF fizeram muitas perguntas sobre o livro e sobre mim. Esses encontros sempre me comovem. É a segunda turma do Dante que adota o livro. 

No encontro da tarde, cada aluno da EMEF Fontenelle apresentou um livrinho próprio com a sua "releitura" de Imigrantes e mascates. Com ilustrações, pesquisas, comentários. Foi com enorme prazer que assinei todos e cada um deles. E me deram um presente, um enorme  embrulho. 

Ao voltar para casa, abri o embrulho e fiquei estupefato. Era um grande álbum produzido coletivamente, com reflexões e pesquisas, fotos e ilustrações, pelo qual se descobre que os alunos estiveram no Memorial do Imigrante, visitaram locais de imigrantes atuais, bolivianos e haitianos, pesquisaram os mais diversos temas que aparecem no livro: preconceito, cobras, trem da Cantareira, família, religião, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, nazismo, não deixaram nada de lado. Vários professores participaram com suas disciplinas. Nunca imaginei que um livrinho tão simples tivesse tal potencial de ensino e aprendizagem.

Bernardo Kucinski

8/11/2018

 

 

Para compreender a obra Imigrantes e mascates antes do encontro com o autor, os alunos trabalharam o tema ao longo de todo o ano. Nas aulas de informática, comandadas por Patricia, por exemplo, tiveram contato com trechos do desfile de 2017 da Beija Flor, ano em que a escola de samba apresentou o enredo Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu. A partir daí, utilizaram os computadores para pesquisarem sobre as diversas contribuições de indígenas, negros, portugueses, italianos, espanhóis, libaneses na formação do povo brasileiro.

Pesquisaram também sobre o território que habitam, o Jaraguá. E que forma melhor de fazer isso que em uma visita ao Parque Estadual do Jaraguá, com direito a piquenique? Ali puderam conhecer detalhes da Mata Atlântica, a exploração mineral dos bandeirantes e as questões indígenas que até hoje permeiam o bairro.

O Museu da Imigração também foi parada obrigatória para a turma, que continuava procurando saber mais sobre os imigrantes que desembarcaram no Brasil. Viram nas obras de Debret o contexto em que os africanos chegaram ao país. Nas aulas de artes, com o professor Marcos Gomes da Silva, estudaram quadros como Operários (Tarsila do Amaral), Mestiço e Os retirantes (Cândido Portinari). Acompanharam, com o professor de inglês, Bruno Ochman, discursos de ativistas como Nelson Mandela, Martin Luther King e Malala Yousafzai – esta última também abordada na leitura da obra Malala, a menina que queria ir para a escola, de Adriana Carranca.

Também tiveram aulas com os alunos mais velhos do oitavo ano, que já haviam aprendido temas importantes para a compreensão de Imigrantes e mascates, como a Segunda Guerra Mundial e a Ditadura Militar. Durante a leitura, os estudantes do quinto ano foram ao mesmo tempo produzindo seus próprios livros, com as impressões e reflexões desenvolvidas no processo. Paralelamente, foram produzindo um livrão, que deram de presente ao autor.

“Hoje, enquanto recordo essa experiência e escrevo essas palavras, percebo o quanto a escola pode integrar os saberes de maneira significativa na história dessas crianças”, conta Patricia, professora desde 1998. Ela admite que muitas vezes os professores estão condicionados a aulas fragmentadas, em que o interesse dos alunos é colocado à margem, “um conhecimento esfacelado, com pouca ou nenhuma ligação com a realidade”. E conclui: “Bom saber que minimamente conseguimos integrar tantos saberes, promover tantas aprendizagens/experiências a demonstrar que só é através da educação que podemos melhor conhecer e melhorar o mundo (começando pela história de cada um de nós)”.

 

 

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