O espírito juvenil de Hilda Hilst

05/07/2018

 

Uma mulher que tinha 90 cães, gostava de ouvir os mortos, abandonou uma vida na cidade para viver em um lugar chamado Casa do Sol, cercada de poucos amigos. O que Hilda Hilst, escritora homenageada neste ano durante a Festa Literária de Paraty, a Flip, tem a ver com os jovens leitores?

Geruza Zelnys, escritora, professora, crítica literária e pesquisadora da autora ministrará uma oficina de escrita criativa para o público juvenil durante a Flip. Ela conta que não é difícil criar interesse dos mais jovens pela personalidade da autora considerada de “escrita difícil”. Mas a palavra que une ambos, a autora e juventude, é “intensidade”. A oficina Contaminações: ruídos, vozes e vazios com Hilda Hilst acontece em Paraty durante os dias 25 e 26 de julho.

“Com uma boa mediação, que instigue e direcione o olhar sobre o que realmente importa nesses textos, é certo que [o jovem] passará boas horas – ou, na melhor das hipóteses, a vida – em companhia dela. Com os jovens, difícil mesmo é falar sobre amenidades”, conta a pesquisadora.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

É essa intensidade que desperta no jovem leitor o interesse pela “manipulação” da palavra, segundo Geruza. Na obra de Hilst, até a sua erudição pode gerar curiosidade, um “intensificador de intensidades”, segundo a pesquisadora. “Uma palavra completamente nova brilha e desejamos desnudá-la, conhecer seus contornos, suas vizinhanças. Assim acontece com uma referência, uma citação, um autor que aparece aqui e ali, tudo é material-ponte para novos trajetos possíveis.”

É um chamamento do leitor pela dificuldade em uma obra que “se espalha ao mesmo tempo em que se aprofunda nos temas”. Assim, “somos convocados a estarmos por inteiro ali e ela [a obra] não tem piedade com os leitores: ele é aquele que quase sempre é incapaz de compreender a literatura. Então, quando me vejo nesse espelho, quero ser diferente: quero ser aquele que compreende. Há um embate, sabe? Essa postura, entre agressiva e abusada, chama a atenção do jovem, que se vê sequestrado pelos questionamentos que, ainda que não tenham tanta consciência disso, são ou serão os seus também.”

E o que não faltam são textos que podem proporcionar esses questionamentos. Isso porque Hilda Hilst escreveu de tudo – poemas, contos, crônicas, novelas, textos teatrais. Até as entrevistas que ela concedeu são consideradas instigantes, pela honestidade e poética em suas falas. Sua obra ficou marcada, inclusive, por uma análise do crítico literário Anatol Rosenfeld, que de Hilda disse: "escreveu notavelmente em três gêneros literários: poesia, teatro e prosa de ficção".

Com um “espírito juvenil”, que percorre o desejo de descoberta até a velhice, Hilda trata de temas comuns à toda a humanidade, inclusive aos jovens. Morte, amor, sexo e loucura fundem-se em uma grande pergunta, como lembra Geruza, uma “interrogação maiúscula” sobre o assombro que é a vida.

Essa grande pergunta não aparece como pano de fundo em seus enredos, mas em um “movimento filosófico que os coloca em questão”. Carregam “uma hospitalidade que também não deixa de ser hostil porque os problemas colocados não se resolvem, pelo menos não pela autora: o leitor sairá incomodado durante a leitura”. “Mas é sempre um incômodo, uma espécie de não ‘caber-se em si’, que leva à escritura.” Por isso Hilst diz tanto aos jovens: porque “tudo cabe e pulsa nesse movimento frenético de viver.”

Hilda Hilst é um grande convite para que outros temas sejam trabalhados com os jovens. “Acho a Flip 2018 e os holofotes sobre a Hilda Hilst um bom argumento para se conversar sobre a autora e seu universo literário nas escolas. É um argumento e uma grande oportunidade ao mesmo tempo. No mais, a escola precisa se misturar à vida. Mais ainda: chacoalhar-se nela e com ela”, finaliza a educadora.

 

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog