Minha mesa, minha bagunça!

15/02/2018

 

Pincéis de muitos tamanhos, tintas de todas as cores, esponjas, lápis, estiletes, réguas, bico de pena, canetinhas (algumas já sem tampa), pilhas de cadernos de esboço, vidro com água, uma cartinha escrita pelo filho e, às vezes, um cão sonolento ali ao lado. Você já imaginou como é a mesa de trabalho daqueles artistas que criam alguns de seus livros preferidos? Bangunçada ou organizada? Silenciosa ou simplesmente um caos?

Perguntamos a alguns ilustradores que tanto admiramos como são suas mesas de trabalho – esse local que a mineira Marilda Castanha chama de “ateliê-laboratório-escritório-biblioteca-casa”. Eles não só nos contaram como são esses espaços onde nascem muitos livros infantis como também mandaram foto dos locais que a maioria revela ser uma pequena (ou grande).... bagunça. Segundo Renato Moriconi, é porque “a inspiração é impaciente e não espera o tempo de uma boa faxina”.

Saiba mais nas fotos e nos relatos a seguir.

 

Quem é que arruma os brinquedos?

 

“Adoro espaço livre e organização. Infelizmente, não tenho aptidão pra isso. Até pensei que o convite para falar sobre minha mesa de trabalho seria um incentivo pra dar uma arrumadinha, mas não deu. Ia mandar fotos de antes e depois da arrumação, mas foi uma única foto que registra o sempre. O quase sempre. Trabalho ao lado da Blandina [Franco, esposa e escritora dos livros que ilustro] nos dois terços de um bancada feita pelo querido Álvaro Wolmer. Entre o segundo Daruma até a montanha de papel, você vai encontrar de tudo ("encontrar" é apenas modo de dizer): tenho vários vidros, potes, jarras e canecas com lápis, penas, pincéis, mas também um pote de parafusos, aliás dois, brinquedos novos e antigos, brinquedos muito antigos e uns objetos que simplesmente vão aportando por ali. Poderia me gabar dizendo que sei exatamente onde está cada coisa e que me acho nesta bagunça, só que não é tão verdade. Consigo me achar neste caos, mas não sem alguma angústia. Sempre faço um ritual de arrumação antes do trabalho, mas a bagunça vem chegando aos poucos e atraindo mais bagunça. Estou habituado a desenhar em pouco espaço, com material espalhado e distração em volta. E me divirto trabalhando assim e, por ser adulto, tenho a vantagem de ninguém me pedir pra arrumar meus brinquedos.”

JOSÉ CARLOS LOLLO, ilustrador de Eu não acho de jeito nenhum e Ernesto

 

Um ateliê na garagem

 

Meu ateliê, hoje em dia, fica na garagem. Parece um pouco estranho, é verdade, mas é um bom lugar. É espaçoso e mais ou menos separado do resto da casa. Na minha mesa de desenho, que é grande e de madeira, tento deixar só o que importa para o trabalho. Lápis de cor, tintas, pincéis, estiletes, réguas, fitas adesivas, livros de referência. Tento deixar tudo mais ou menos no mesmo lugar de sempre. É menos mania e mais um jeito de não perder muito tempo: já acostumei com a posição de cada coisinha e, dessa maneira, nem penso, só estico a mão e pego o que for preciso. Nada me irrita mais do que ter que parar de desenhar para procurar alguma coisa: ‘Onde foi mesmo que deixei a máscara para aquarela?’. Até encontrar, a água já secou, a cor de fundo já manchou… E tenho que começar tudo de novo. Acho que a minha mesa é uma mistura de bagunça e organização. Quase nunca lavo os meus godês, por exemplo. Faço as misturas de cor e depois fico com medo de lavar e perder aquele tom específico de azul ou cor de rosa. Deixo a tinta lá até terminar o livro: só então lavo e começo tudo de novo.”

JANAINA TOKITAKA, ilustradora de O mercado dos Goblins

 

Um bagunceiro organizado

 

“Sou bagunceiro e desorganizado. Meu ateliê é um retrato fiel dessa minha condição. Desenho, pinto, ora no cavalete, ora na mesa, ora na parede, ora no chão... Tenho a impressão de que a inspiração é impaciente e não espera o tempo de uma boa faxina. Por isso, algumas vezes, jogo o papel ou a tela no solo e saio pintando. Mas existem momentos em que a inspiração parece se cansar da bagunça e some por um tempo. Daí pego vassoura, pano e saio limpando e arrumando o local pra ver se ela volta. Confesso que eu também me canso da minha bagunça.”

RENATO MORICONI, coautor de Bárbaro e Bocejo

 

Um amontoado de coisas e histórias

 

“Meu escritório é uma bagunça. Alugo uma sala comercial e divido o espaço com alguns amigos que trabalham com marketing esportivo, rádio e TV. Gosto dessa pluralidade e informalidade, trabalho de bermuda e chinelo o dia todo. Nas salas ao lado temos arquitetos, advogados, contadores, manicure e cabeleireiro. Uma grande mistura. Temos um pequeno jardim do lado de fora que é muito legal. Minha mesa é um amontoado de coisas e histórias. Toda vez que vou começar a ilustrar um livro novo, limpo tudo, guardo tudo. Ao começar a pintar, as coisas começam a se acumular e aí vira isso aí que está na imagem. Muita bagunça. Parece que as pessoas também gostam porque isso aqui vive cheio de gente. Gosto disso.”

WEBERSON SANTIAGO , ilustrador de O futuro de Horácio

 

"Ateliê-laboratório-escritório-biblioteca-casa"

 

“O que há na minha mesa? Um pouco de  tudo o que preciso deste meu 'ateliê-laboratório-escritório-biblioteca-casa'. Aqui convivem (às vezes, harmoniosamente; outras nem tanto) potes de tinta, vidro de água (para lavar pincéis), computador, telefone, desenhos, fotos e cartinhas da minha filha e do meu filho, impressora, panelinhas de empada (para colocar tinta), máscara de aquarela, pincéis bons e também pincéis ruins (que, na verdade, são ótimos para fazer textura), paninhos velhos, potes com tesoura, canetinha, lápis, bico de pena, colher de pau velha (porque acho lindas!), projetos em andamento, livros preferidos e uma pilha de caderninhos nos quais, todos os dias, pinto com as sobras de tinta. Mas o que completa mesmo a minha mesa é também o que não sai na foto: os barulhos que escuto enquanto desenho (passarinho, galo cantando ou uma musiquinha bem suave, como agora, enquanto escrevo). E de vez em quando um miquinho, que, na árvore em frente, me observa atentamente. Por tudo isso penso que minha mesa é mesmo um micro mundo (que, confesso, nem sempre está tão organizado como nesta foto), onde me sento cheia de perguntas, tentando encontrar respostas e caminhos para ideias, histórias e livros.”

MARILDA CASTANHA, autora de A quatro mãos e O delírio

 

Na sala, no quarto, no subsolo

 

“Nos diversos lugares onde morei, minha mesa de trabalho já variou bastante. Tirando um curto período em que tentei ser publicitária, sempre trabalhei em casa. Trabalhei na sala, no quarto, na sala, de novo na sala, no subsolo, novamente na sala. Tenho uma mesa grande, onde coloco os materiais que uso, de acordo com o que estiver fazendo no momento. Para o livro que estou desenhando agora, são guaches, pincéis, lápis, potes com água, toalhas de papel e alguns óculos. Além disso, tem também outras coisas importantes, como meu computador, tesoura, espátula, canetas, estilete, régua, lupa, telefone, boletos, recados etc. Atrás da minha mesa, fica uma estante com meus livros preferidos, companheiros preciosos de muitos anos, muitas vezes folheados, lidos e relidos. Não é um exemplo de organização, mas no fim dá tudo certo, é assim que gosto de trabalhar.”

LAURABEATRIZ, ilustradora de Brasileirinhos e Bebês brasileirinhos

 

Uma rotina gostosa

 

“Minha mesa de trabalho não está em sua fase mais organizada! Estou transferindo meus projetos de arte, que ficavam em um ateliê em Pinheiros, para a minha casa. Mudei faz pouco tempo e construí um ateliê compacto em uma edícula, que era a antiga lavanderia. Adoro ter tudo perto e estou aprendendo a conviver com menos espaço. Faz parte do processo de simplificar a vida! Na mesa, agora, tem um desenho muito grande, que estou fazendo com o uso de remédios, no lugar de tintas. Tenho me dedicado como artista a uma série chamada ‘A Cura pelas Histórias’ e ‘A Cura pela Natureza’, em que "pinto e desenho" com as próprias cores de medicamentos como mercúrio cromo, rifocina, violeta genciana, povidine etc. É difícil de usar, mancha muito, mas me dá uma satisfação muito grande! Alguns desses desenhos contêm palavras e frases de poemas meus ou de outros autores. Também na mesa, agora, há vidros de nanquim, que coloco em cestos plásticos, pincéis, grafite, tubinhos de tinta acrílica e pastéis (adoro usar pastéis também). Há também um bloco e um recipiente com carimbos, que estou testando e uso bastante em algumas ilustrações. Ao fundo da mesa, há uma mapoteca aberta para papéis. No momento, em cima dela, estão as esculturas-casinhas que chegaram de uma exposição no Museu MARCO, em Campo Grande. As casinhas são caixas sonoras com meus poemas sobre as mulheres nos contos de fadas. Ao longe, minha cachorra, Jade, toma sol deitada num canto do jardim. Ela é minha companheira e está sempre junto, deitada embaixo da mesa, enquanto estou trabalhando. Ela fica ali, quietinha, do começo ao fim, é concentrada! É uma rotina gostosa.”

KATIA CANTON, autora de Fabriqueta abecedário e Fabriqueta de ideias

 

Ao lado da cachorra Maricota

 

Hoje em dia meu ateliê é na minha própria casa. Já tive experiências de ficar fora, mas não funcionou muito. Trabalho em qualquer horário e, como tenho filho pequeno, muitas vezes as madrugadas correm soltas entre desenhos, pinturas e textos. De tempos em tempos, gosto de alterar a posição dos meus móveis, tenho três mesas de trabalho, um aparador de materiais e uma mapoteca. A cada trabalho novo, os materiais mudam de lugar, assim como meu corpo e minhas ideias. Livros aparecem, tintas se reorganizam e papéis ficam em evidência. Em geral, começo tudo no papel, depois é que acabo usando tecnologias digitais. Mesmo para escrever, tenho o costume de usar cadernos de esboço, sempre sem linhas. A música é sempre importante nas minhas invenções. Quando estou escrevendo, costumo ouvir obras mais instrumentais e, quando desenho, acabo colocando todo o tipo de música. Outra companhia fundamental em meus processos inventivos é minha querida cachorra Maricota.”

JOAQUIM DE ALMEIDA, autor de Chico Cambeva no fundo do martelo

 

A dança das mesas

 

Meu estúdio é em casa, e eu uso duas mesas pra trabalhar: uma onde fica meu computador e a mesa de corte (uma borracha verde onde corto papéis com estilete), mas que também tem espaço para desenhar em papéis pequenos e para escrever ideias ou anotações; e outra maior, que tento manter bem livre para me espalhar quando desenho. Na frente dessa mesa grande, fica a mesa do meu filho (então, na verdade, eu poderia dizer que uso três mesas, pois, sempre que ele deixa algum desenho em cima da mesa, dou uma espiada e isso me inspira muito!). Fazem ainda parte do meu espaço de trabalho: um painel de cortiça onde penduro algumas anotações, tranqueiras do dia-a-dia e, principalmente, meus trabalhos em processo para poder olhá-los com alguma distância; uma mesa de luz onde consigo redesenhar alguns artes que precisam ficar parecidas ou ilustrar com papel sobre a luz (como no livro O Leão e a Estrela) e a janela de onde vejo muitas árvores e por onde passam uns esquilos de vez em quando (sim, a janela faz parte, me ajuda a pensar, descansar o olhar). As minhas mesas estão sempre bagunçadas, apesar de eu estar sempre arrumando. Não sei o que acontece. Acho que esse bagunçar e arrumar faz parte do meu processo também, porque tenho a impressão de que a mesma coisa acontece dentro da minha cabeça, com as minhas ideias, sempre se bagunçando e eu tentando organizá-las. É nessa organização que surgem os livros.”

MARIANA ZANETTI, coautora de O que eu posso ser?

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