Mãos que contam muitas histórias

19/06/2018

 

As mãos que viram as páginas dos livros são as mesmas que a professora Carolina Hessel utiliza para contar histórias em Libras. Ao realizar seu trabalho de doutorado em produções literárias em língua de sinais, ela percebeu que havia poucos contadores de histórias que dominassem o idioma. Decidiu ela mesma começar essa tradição com o projeto Mãos Aventureiras, vinculado à UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), instituição onde realiza a sua pesquisa. 

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

"Nas feiras de livros, a presença dos contadores é muito tradicional, para apresentar a sua produção ou dos demais autores. O fato é que não observamos a presença de contadores surdos nesses espaços. Existe, em alguns casos, intérpretes de Libras, mas a questão é o protagonismo surdo e o acesso a informações por pares linguísticos", conta a pesquisadora, que criou o projeto para aumentar a participação de contadores surdos em espaços como esse, o que contribui para que a criança surda sinta-se incluída no universo da literatura.

Mesmo nos eventos ditos inclusivos, há a tradução de um conteúdo feito para as crianças ouvintes, sem protagonismo da comunidade surda. Decidiu, então, gravar vídeos contando histórias de livros infantis e disponibilizá-las gratuitamente em um site. Pensando nesse protagonismo, os vídeos que ela grava buscam trazer referenciais da comunidade surda às histórias, como o uso da dramatização no momento de contar as histórias, escritas inicialmente para as crianças ouvintes.

 

 

"Não se trata simplesmente do uso dos sinais, mas das expressões faciais e corporais que aproximam os leitores surdos da obra." Em um livro em que a fala do personagem é "foi chocante", por exemplo, a saída é não apenas dizer que as pessoas ficaram chocadas. "Nas expressões faciais apresento a reação do grupo assustado." É o que Carolina chama de “tradução cultural”: não apenas a língua de uma história é adaptada, mas também seus referenciais. Aqueles presentes na cultura ouvinte (falada e ouvida) são substituídos por seus semelhantes na cultura surda.

Outra possibilidade de trazer histórias à comunidade surda é a partir da utilização de livros-imagem, aqueles com poucas ou nenhuma palavra escrita. Nessas obras, a história é contada principalmente a partir das ilustrações – ou seja, da narrativa visual. “O fato é que as imagens para os surdos servem como uma referência de contextualização", explica.

Na escola, a literatura pode atingir as mesmas potencialidades de fabulação, imaginação, invenção tanto em crianças ouvintes quanto em crianças surdas. Mas também colabora para a acessibilidade na formação de meninos e meninas surdos, que passam a utilizar os mesmos livros traduzidos das crianças ouvintes. "Acredito que o melhor espaço para aquisição da língua de sinais e alfabetização dos surdos ainda seja dentro das escolas bilíngues para surdos, mas não podemos negar os efeitos das políticas de inclusão. Então que esse material possa colaborar com a constituição das crianças surdas."

Nesses ambientes de educação, o ideal é que cada turma possua intérpretes ou até um professor que saiba a língua de sinais. Como cada escola vive a sua própria realidade, sem sempre com muitos recursos acessíveis, os vídeos do projeto Mãos Aventureiras, usados em conjunto com o livro físico, são uma alternativa para garantir que a alfabetização se dê em língua portuguesa e na língua de sinais, possibilitando uma maior inclusão dos estudantes surdos.

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